segunda-feira, 13 de julho de 2009

13.07.2009 - "Cambão, a face oculta do Brasil", de Francisco Julião - referência sobre o líder, por Margarida Collier

Transcrevemos a seguir, a pedido de Adalberto Arruda, comentário acerca do lançamento do livro "Cambão, a face oculta do Brasil", de Francisco Julião, ocorrido em 10.07.2009 em Recife, conforme noticiado anteriormente neste blog:
"MAURÍCIO,
Por motivo de saúde, não pude comarecer ao lançamento do livro CAMBÃO, de nosso primo Francisco Julião, no dia 10 do corrente, na Livraria Cutura, no Paço da Alfândega, Recife. Foi uma solenidade movimentada e marcante, que realçou a importância histórica daquele nosso valoroso parente. Transmito texto de mensagem da amiga Margarida Collier, comentando o evento.
Cordialmente,
ADALBERTO ARRUDA"
"Prezados Colegas,

Não poderia deixar de fazer uma referência ao lançamento do livro Cambão, sobre o líder Francisco Julião, que hoje à noite tive a oportunidade de participar, na Livraria Cultura, atendendo a um convite tão carinhoso de Tereza Neuma e de Anatólio, seu marido, um dos filhos do autor do documento.
Filha, neta e bisneta de latifundiários, minha infância foi marcada pelos momentos de organização das ligas camponesas nos engenhos, nos latifúndios. Após o falecimento do meu pai, que tinha apenas 40 anos, engenheiro agrônomo, administrador de terras, plantando e comercializando cana de açúcar para usinas, em São Lourenço da Mata, minha mãe, viúva, aos 37 anos, teve que passar a tomar conta de tudo, apesar de nunca ter trabalhado fora dos seus afazeres domésticos. Foi à luta, viajando todos os dias ao Engenho, tomando dois ônibus e depois uma chalopa, já que na época não existia estrada de acesso até sua propriedade. Saía de casa às 4 horas da manhã em busca da sobrevivência dos filhos, que éramos cinco.
Minha mãe tinha uma relação muito especial com os camponeses, freqüentando suas casas, guardando eu, até hoje, aquele cheirinho da lenha no fogo, cozinhando o feijão dos moradores, quando às vezes, nos sábados, ela nos levava ao Engenho. Quantas e quantas vezes minha mãe plantou canas, junto com os camponeses, seus empregados, nas valas preparadas por eles! Ela gostava e eles mais ainda, ao ver uma senhora distinta, “de dinheiro”, sujando as mãos de terra e conversando sobre a vida no meio deles. Mas apesar de toda essa relação, a exploração ao camponês não devia ser diferente de outros latifundiários.
Em meados da década de 60, minha mãe começou a sentir as dificuldades dos tempos de Julião, como bem relatado no livro “Vida, Luta e Glória”, uma homenagem que nós, filhos, fizemos na celebração dos seus 82 anos.
Cresci vendo minha mãe preocupada com as canas que estavam sendo incendiadas, fase muito difícil para ela, sozinha, sem marido, tendo que tirar o sustento dos seus filhos nas terras do Engenho. Ela não suportou e teve que se afastar do campo, já em 1970, deixando de produzir e vender cana às usinas de açúcar. Nesse transtorno no campo, não era Julião que incendiava as terras! Ele fazia mais do que isso, incendiava a consciência dos camponeses, levando os homens do campo a lutarem pelos seus direitos, como foi muito bem dito durante o lançamento do livro!
Minha mãe deixou o Engenho e suas terras foram desapropriadas pelo governo estadual, não para alocar camponeses, homens trabalhadores, para a subsistência de suas famílias, em direção à reforma agrária! Mas sim, foram desapropriadas para construção de uma central de carga que, depois de 30 anos de “terras paradas”, sem cultivo algum, com gente passando fome, parece que vai sair do papel, no recente projeto para organizar São Lourenço da Mata, local da Copa de 2014.
“As dificuldades dos tempos de Julião”, tão reclamadas por minha mãe, referem-se exatamente ao início das ligas camponesas, que teve como líder de todo o processo de luta, o Francisco Julião, que relata os detalhes, em seu livro Cambão (que hoje comprei e estou ansiosa para ler), sobre os momentos difíceis que, segundo um amigo, presente no lançamento, em seu discurso, guardado há 42 anos, ressaltou, muito emocionado, que cada palavra foi escrita com muitas lágrimas!
A homenagem prestada, em comemoração aos 10 anos de morte do líder Francisco Julião, pelos familiares, foi esplêndida!
Momento de importância máxima para os pernambucanos que muitos desconhecem o espírito de luta e de liderança do nosso povo, demonstrado desde os tempos de colônia, com a expulsão dos holandeses, buscando a independência da nação, dando início a uma série de rebeliões que levaram a Proclamação da República. A luta de Julião foi por justiça aos trabalhadores, por uma reforma agrária, nada mais do que isso!
Momentos para conhecermos histórias de lutas são importantes em nossas vidas, importantes para construção de cidadãos! Ontem levei minha filha, mas gostaria que os outros dois filhos tivessem ali presentes, assistindo a um relato de importância estadual, nacional e internacional. Os filhos de Julião, com olhos marcados pela emoção, relataram de forma simples a força e a liderança do pai.
Gente, isso é exemplo de vida! Todos nós temos uma história de luta, seja ela qual for, mas poucos têm a oportunidade de deixá-las registradas. A família Julião fez e está fazendo muito bem! E ainda tem muito por fazer, como exemplo resgatar documentos que ainda se encontram no México e precisam ser arquivados, aqui, em sua terra natal!
Magnífico foi saber, mesmo sem ainda ler o livro, de como tudo começou. Francisco Julião, filho de dono de engenho, deixa o campo para prosseguir nos estudos, formando-se em direito, deixando amigos camponeses que conquistou quando morava com os pais. E foi justamente a falta de oportunidade de crescimento, também, dos “seus amigos camponeses”, que ele não aceitou a desigualdade, se dedicando à causa da luta em busca da igualdade entre os povos!
Motivo de orgulho durante o evento, foi quando o filho, Anatólio Julião, em primeiro lugar agradeceu à sua esposa, nossa colega, Tereza Neuma, pelo apoio e carinho recebido durante a conclusão dos trabalhos nos últimos 12 meses.
Parabéns Tereza, parabéns Anatólio, Anacleto e toda a família, até ao Francisco Julião Bisneto, tão pequenino, menos de dois anos de idade, que lá estava presente, pela distinta e justa homenagem ao líder Francisco Julião, exemplos que devem ser repassados para nossos descendentes na continuidade pela busca das reformas necessárias para construção de uma vida digna do nosso Povo!
Convoco todos a lerem o livro Cambão e viajarem numa história de luta em benefício de toda nação!
Margarida Collier – 10/07/2009"

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